sábado, 30 de abril de 2011

Envelhecer


O cheiro cru e impregnante de coisas soltas na mochila se fixam nas páginas agora manchadas de um enredo cuspido em A5 encapado que guardo comigo para momentos ociosos. Todo o cheiro acumulado desde pontas de lápis a pedaços de papel reciclado os quais antes nem eram percebidos se juntam nas páginas agregando a minha leitura o odor do eu. Sinto muitas vezes algo que penso ser meu cheiro mas já misturado a muitas outras coisas não posso estar mais certo. Passo então a me colocar na história, a entrar naquele enredo de linguagem pretensiosa e conclusão mirabolante, mergulho página por página num espaço que flutua entre o livro e a realidade olfativa que este me proporciona. Junto histórias imaginativas a esta que leio e me ponho a imaginar fatos alterados de ambas realidades. E chego ao fim não do livro mas de mais uma história minha contada por outro, como sempre exagerada, com fatos alterados e personagens extremos e desconhecidos. Deixo o livro de lado, empresto-o a muitos, e longos anos depois, agarro-o em minhas mãos para ver que as palavras ficaram mas que o cheiro mudou, a história mudou, eu mudei, ponho me a ler o livro mas meu olfato falho não identifica nada além do forte cheiro de mofo mas minha cabeça sabe que não é o mofo mas sim o acumulo de eus e outros nas páginas amareladas de um livro qualquer.

domingo, 24 de abril de 2011

Surdo


 As papas da língua pifaram, o gosto do conhecimento passou a ser de um neutro seco, que desce pesado pelo meu corpo e é expelido por todos espaços possíveis antes de ser absorvido, toda fala é transformada em devaneio e chega aos meus ouvidos como idéias desconexas desapropriadas de qualquer sentido. Entre longos cochilos vejo horas/aula passando afinco sem nada mudar na minha cabeça, qualquer aproveitamento de idéias vem de todo conhecimento não obrigatório que recebo. O peso do conhecimento enclausurado em salas cheias e abafadas é sua utilização futura e profissional cheio de intuitos e pretensões enquanto absorvo litros de informação desprendida de conexões futuras com minha sobrevivência. Parei de ter o gosto por horas/aula e o ímpeto de absorve-las me falta, tento agora encará-la como algo alheio ao meu futuro como um ultimo método desesperado para absorver tudo que as horas/aula tem pra me oferecer, papas não funcionam, o peso aumenta, minha boca seca não combina com a fome que tenho mas ainda sim me empanturro com esse monte de palavras que entram como um quebra cabeça em branco pronto para ser preenchido de eu.

terça-feira, 29 de março de 2011

Em branco


Jovem demais pra não lutar, imaturo demais para não ligar, achamos que todos problemas são nossos e vemos em tudo uma solução, e por mais que ela esteja lá, mais maduros percebemos que a solução não nos pertence, que o problema não é nosso, deixamos as marchas e protestos de lado pra virarmos robôs desligados do mundo, que andam em carros com ar condicionados e vidros fechados. O futuro triste para o qual caminhamos chega mais rápido do que percebemos e quando você vê, já não se importa mais, você passa a ignorar o conformismo e a ver tudo com um olhar complacente de quem já lutou de mais e viu que não se pode mudar o mundo. Jovem de mais pra não lutar, maduro demais pra não ligar, marcho enquanto ainda há tempo, corre em todos protestos possíveis, antes que chegue minha hora de não ligar mais.

segunda-feira, 28 de março de 2011


Perspectivamente sumindo, diminuindo num espaço deturpado e irreal. Delineando  os contornos espaciais, me localizando num ponto alongado. A folha não me cabe mais, a linha do horizonte já saiu do papel, eu já sai do papel, o papel saiu do papel. Tudo saiu, menos a perspectiva, essa continua se estendendo, distorcendo, esticando os retos, diminuindo os grandes numa caminhada decrescente a pilastra de mesmo tamanho no final. Nesse mundo paralelo da perspectiva nada é entendível, tudo está mais distante, tudo parece maior, mas é do mesmo tamanho, tudo igualzinho só quem não percebeu isso foi a porra do arquiteto.

gsrtyuissngr

A camisa do lado avesso, pés no chão frio, levanto da cama pra atender o telefone que já parou de tocar. Não deito de novo, abro a persiana e o sol ofusca a minha visão e por alguns segundos sou cego, vou e venho na minha cegueira interminável tateio tudo ao meu redor e nem sei mais onde eu estou. Mas vem a indiferença e nada me importa não ver, já não enxergo a muito, de que me serve tantos sentidos se nenhum deles parece estar sendo usado, se tudo na minha visão fosse visto como um túnel, o túnel estaria em desfoque, acho que simplesmente não me importo com o túnel nem com o que tem dentro dele, me importo com o nada, e o nada me veste muito bem, e nessa de não me importar esqueci de ligar pra mim mesmo. Minha visão voltou, pelo menos acho que voltou porque nem vejo a diferença, mas sei que o telefone voltou a tocar.

domingo, 20 de março de 2011

Lunático


Obviamente só um cabideiro minha forma fica escondida por debaixo de peças esquecidas de pessoas desconhecidas que se aproveitam de mim para deixar pertences empoeirando, mas não percebem que toda a poeira, todo o peso das roupas em mim esquecidas, é carregado por eles, eles são o cabideiro não eu. Sou só uma representação física do seu excesso.Que cabide, menti desde o começo, sou na verdade uma porta de armário, escondo suas coisas mais intimas guardadas nas gavetas de cueca.Guardo todos seus segredos e me mantenho em silencio sobre os mesmos. Acho que menti de novo, sou na verdade um ...... que fica o dia inteiro................. e não importando a situação estou sempre.........minto sempre não por querer mas por não saber, me aproveito da duvida para ser tudo e todos já que o eu, ainda não descobri.

quarta-feira, 2 de março de 2011

Banho de chuva


A chuva corre em minha direção, mostrando com seus pingos ácidos a fragilidade do asfalto que encobre campos de vermes rastejantes, que passam dias a lamber pedras e a retirar seus minerais. A chuva corre e apressa passos desesperados pra chegar a lugares vagos, pra chegar a lugares vazios, mas protegidos dos respingos poluídos de nuvens cinzentas que correm pelo céu se desfazendo de nossa sujeira. Corro em direção a chuva, apresso meus passos antes que ela acabe, pra que seus pingos sujos e ácidos limpem do meu corpo, das minhas roupas  todo o achismo ilógico, toda ignorância direcionada e toda a alienação conformada, para que  somente reste  a minha estupidez  pura e ingênua.Tudo corre mas a chuva para, a sujeira não vem de cima vem de baixo, depositamos frustrações e ódios que caem depois sobre nossas cabeças como pensamentos inacabados em forma de gotas, sujamos tudo a nossa volta para depois abrirmos a boca e engolir tudo de volta. Corremos da chuva porque não mais temos tempo para apreciar nossa própria sujeira, nos escondemos em locais secos com sujeiras que maquilam nossos rostos com cabelos falsamente alisados e sorrisos falsamente postos somente para agirmos como vermes ambulantes consumidores que vagam ilogicamente pelos campos modificando tudo a sua volta para disfarçar a própria sujeira.